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A maior descoberta das viagens à Lua foi a Terra

20 de julho de 201970210
A aventura resultou na consciência sobre a vida no nosso planeta

O cancioneiro nacional tem mais de uma dezena de músicas que tratam de temas ligados à epopeia humana no espaço sideral. Vinicius de Moraes e Baden Powell compuseram “O astronauta”, após o soviético Iuri Gagarin ir à órbita da Terra (abril de 1961) e revelar à humanidade que “a Terra é azul”.

O cosmo, os astros e o homem no espaço também mobilizaram Erasmo e Roberto Carlos, que nos tempos da jovem guarda compuseram a homônima “O astronauta”; “O disco voador” e “Na lua não há”. Naves espaciais, a Lua, o Sol, as estrelas, e até seres extraterrestres inspiraram Gilberto Gil (“Lunik 9”); Jackson do Pandeiro (“Cantiga da Perua”); Batatinha (“Foguete Particular”), Jorge Benjor (“O dia que o Sol declarou o seu amor pela Terra”); e Rita Lee (“Alô alô, marciano”), entre outros compositores, cantores e músicas.

Caetano Veloso registra na canção “Terra” (impressa em disco de 1978) o impacto de ter visto “as tais fotografias” do planeta obtidas pela tripulação norte-americana da Apollo 8, ao registrar “o nascer da Terra” – quando o módulo espacial voou na órbita lunar em fins de dezembro de 1968.

Em seu livro de memórias “Verdade Tropical”, Caetano conta como foi ver aquela imagem pela primeira vez. “Um dia Dedé [Gadelha, primeira esposa,] me trouxe uma revista Manchete com as primeiras fotografias da Terra tiradas de fora da atmosfera. Eram as primeiras fotos em que se via o globo inteiro – o que provocava forte emoção, pois confirmava o que só tínhamos chegado a saber por dedução e só víamos em representações abstratas”.

O efeito no compositor, então preso em quartel do Exército em Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro, repetiu aquele partilhado por centena de milhões ou bilhão de pessoas que assistiram na véspera do Natal a transmissão via satélite em que os astronautas leram os primeiros dez versos do Gênesis, enquanto pairavam sobre a Lua e faziam imagens do satélite e da Terra.

Naquele instante ou depois, ao ver as imagens em revistas e jornais, a população mundial percebeu como a Terra era pequenina suspensa em imensurável e pacato fundo negro. “Segundo dizia [o astrônomo] Carl Sagan, foi com aquela foto, foi naquele momento, que se percebeu que a Terra está sozinha em um enorme oceano escuro, que a Terra é pequena e de certa forma frágil”, cita o físico e astrônomo Roberto Dell’Aglio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP.

Para ele, o legado da foto da Apollo 8 foi “florescer a consciência ecológica” e o homem perceber a finitude da Terra. Uma perspectiva até então inédita e que baseou as preocupações preservacionistas e conservacionistas que surgirão a partir dali.

“A maior descoberta da ida à Lua foi a Terra. Ou seja, a partir das viagens, nós obtivemos da órbita da Lua uma visão extraordinária da Terra”, assinala o engenheiro mecânico José Bezerra Pessoa Filho, que trabalhou por mais de 30 anos no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), em São José dos Campos (SP).

AS11-40-5948 (20 July 1969) --- Astronaut Edwin E. Aldrin Jr., lunar module pilot, is photographed during the Apollo 11 extravehicular activity (EVA) on the moon. He has just deployed the Early Apollo Scientific Experiments Package (EASEP). This

Viagens espaciais implicaram no desenvolvimento de tecnologia em uso no cotidiano dos humanos NASA/Direitos reservados

As imagens que comoveram artistas e cientistas, e apresentaram o mundo ao mundo, não foram, no entanto, o maior feito da aventura do homem no espaço. Esse aconteceu em 20 de julho de 1969, um domingo, quando o engenheiro aeroespacial e astronauta Neil Alden Armstrong, então com 38 anos, colocou o pé esquerdo pouco antes da meia noite (horário de Brasília) em solo lunar.

O gesto foi acompanhado das célebres palavras pronunciadas por Armstrong e escutadas em cadeia televisiva: “um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”.

A caminhada de Neil Armstrong e de seu colega Buzz Aldrin, por duas horas e meia, pela superfície da Lua selou a vitória simbólica dos Estados Unidos da América (EUA) sobre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) na corrida espacial iniciada na década de 1950. As demais alunissagens foram feitas exclusivamente pelos norte-americanos até 1972, em cinco seguintes missões (Apollo 12;14; 15; 16 e 17), e confirmaram a hegemonia alcançada pelo Ocidente.

Até o programa Apollo, da National Aeronautics and Space Administration (Nasa), a corrida espacial era vencida com folga pelos soviéticos. Antes de colocar Gagarin no espaço e inspirar Vinicius de Moraes, a URSS lançou o Sputnik em volta da Terra (1957); enviou a cadela Laika (primeiro ser vivo) à órbita (também em 1957) e fotografou a face oculta da Lua (1959) – onde a sonda chinesa Chang’e-4 posou este ano.

“A intenção dos americanos naquele mundo bipolar era mostrar que eram melhores que o mundo comunista”, comenta Bezerra Pessoa ao lembrar da guerra fria entre EUA e URSS, e que as naves espaciais eram transportadas por foguetes que também podem servir como mísseis de longo alcance, como o foguete R7 que levou o Sputnik à órbita da Terra ou o Saturno 5 que transportou a Apolo 11 ao espaço.

“A ida à Lua tem o contexto da propaganda e do marketing, mas foi fomentado pela questão militar. O contexto era de disputa pela hegemonia no planeta. As missões do programa Apollo são resultado direto da guerra fria”, acrescenta.

Missão a Marte

Cientistas italianos descobrem água em estado líquido em Marte

Cientistas italianos descobrem água em estado líquido em Marte – EFE/EPA/USGS Astrogeology Center/Direitos reservados

O ministro Marcos Pontes também é otimista com a retomada das viagens à Lua. “O ser humano tem isso de explorar o desconhecido. Foi isso que nos trouxe aqui. Foi o que nos trouxe a tecnologia, o começo da ciência, o raciocínio”, salientou em conversa com jornalistas da EBC após entrevista à TV Brasil.

“É a necessidade de conhecer que empurra a natureza humana”, disse Pontes ao comentar o interesse chinês em fazer visitas tripuladas ao satélite da Terra, intenção declarada inicialmente na Conferência de Exploração Espacial Global, ocorrida em 2017.

Roberto Dell’Aglio, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, também observa o interesse chinês em fazer um pouso no lado oposto da Lua, “que não é escuro como se pensa”. Em sua percepção, uma base na Lua pode servir como plataforma de exploração do sistema solar.

Depois de chegar à Lua, o corpo celeste mais próximo que poderia ser visitado pelo homem seria Marte. “Mas para que isso seja verdade uma quantidade grande de tecnologia precisa ser desenvolvida”, indica Dell’Aglio. Para ele, “a Lua é o lugar ideal para se testar esse tipo de tecnologia”.

O maior limitante para uma viagem tripulada à Marte “é o fator humano”, pondera o engenheiro Bezerra Pessoa Filho. Ele calcula que com a tecnologia disponível, a viagem levaria cerca de três anos e meio. “Nós nunca passamos tanto tempo no espaço assim”, ressalta.

Além do longo tempo exigido, a aventura exigiria um carregamento inédito de combustível para garantir a volta dos astronautas. “Se a gente levar o combustível que precisa para voltar, o foguete ficaria tão pesado que não sairia da Terra”, prevê.

Segundo Bezerra Pessoa Filho, a tecnologia de lançamento pode ser beneficiária dos avanços obtidos com a eletrônica após a ida à Lua, mas o foguete não seria muito diferente em peso e tamanho que o Saturno V (da altura de um prédio de 35 andares e carga de três toneladas).

O empreendimento resultaria em um gasto elevado. A preço de hoje, o especialista estima que o Programa Apollo tenha tido um custo total entre US$ 150 e US$ 250 bilhões – no teto, o valor que o Brasil deve economizar em 10 anos com a reforma da Previdência Social.

A impossibilidade tecnológica e o altíssimo custo não vão deter o gênio humano, assegura Bezerra Pessoa Filho. “A exploração espacial faz parte da natureza humana, nós somos assim. Certamente continuaremos nossa exploração. Somente neste século descobrimos 4 mil planetas fora do sistema solar”, diz lembrando das observações por telescópios gigantes.

A ciência ainda não sabe quando o homem poderá ir à Marte, mas a poesia anteviu o feito. “O homem chateia-se na Lua / Vamos para Marte – ordena a suas máquinas / Elas obedecem, o homem desce em Marte /Pisa em Marte / Experimenta / Coloniza / Civiliza / Humaniza Marte com engenho e arte”, escreveu Carlos Drummond de Andrade no poema “O Homem; As Viagens”, publicado em 1973 no livro “As impurezas do Branco”.

Por Gilberto Costa/Agência Brasil

Foto capa: Marcello Casal Jr

Alexandre Bueno

Jornalista/Editor Geral


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