Pânico ao sair de casa e esquecer o celular ou irritação porque a internet não funciona podem ser sinais de uma dependência comportamental e indicativo de que algo não vai bem. O uso da internet em excesso já está sendo considerado um vício. Mesmo não estando relacionado a nenhuma droga, pode causar os mesmos males que o álcool ou até cocaína, de acordo com a médica psiquiatra Denise Vieira Espíndola (CRM 17.194), que atende no centro clínico do Órion Complex.
“Os vícios não químicos se caracterizam por comportamentos repetitivos, realizados compulsivamente ou por impulso, que excedem o equilíbrio e começam a causar diversos prejuízos sociais, familiares ou no trabalho”, pontua, ao ressaltar que, por ser uma atividade cotidiana, muitos acabam não buscando ajuda ou não identificando o problema a curto prazo.
Os vícios de uso da internet incluem os jogos eletrônicos, que tem até nomenclatura, “games disorder”, muito relacionado aos jovens e classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como uma doença. Segundo uma pesquisa da Universidade Brigham Young (BYU), nos Estados Unidos, ele é caracterizado pelo tempo excessivo gasto jogando, pela dificuldade em parar de jogar e pela interrupção de outras atividades saudáveis devido aos jogos.
A informação torna-se preocupante quando se verifica o quanto a internet está presente no cotidiano. O relatório Digital 2020 July Global Statshot, criado em parceria com a Hootsuite, revelou que – pela primeira vez – mais da metade da população total do mundo usa a mídia social. São 3,96 bilhões de pessoas conectadas através da internet em todo o mundo. Um ranking divulgado em 2019 pela GlobalWebIndex, com sede em Londres, mostrou que o tempo gasto em aplicativos de rede social passou de 90 minutos em 2012 para 143 minutos nos primeiros três meses de 2019. O Brasil ocupa o segundo lugar com 225 minutos por dia, atrás apenas das Filipinas, com 241. No Japão, são apenas 45 minutos.
Em uma realidade onde o trabalho e até as aulas acontecem no universo digital, Denise sugere limitar o uso dos eletrônicos ao máximo possível. “Definam o tempo certo para realizar atividades escolares e o tempo exato para jogar, conversar ou escutar músicas. As famílias precisam investir em atividades que não envolvam a internet e se afastar um pouco da exposição excessiva ao celular”. Ela explica que uma pessoa com vícios comportamentais pode desenvolver sintomas físicos de abstinência como nervosismo, irritabilidade, tremores e mal estar geral. “Nesses casos é necessário uma avaliação com especialista para reconhecer o quadro, avaliar possíveis comorbidades como personalidade disfuncional, ansiedade e depressão; e assim estipular o tratamento mais adequado”.
Fisiologia da dependência
A definição da dependência é a perda de controle, isolamento social decorrente da atividade, perda de prazer em outras atividades, aumento progressivo da necessidade pela atividade, abandono do trabalho e da vida social. Fisicamente, na ausência do estímulo ou atividade, podem surgir taquicardia, falta de ar, tremores, dormências, irritabilidade, nervosismo e mal estar geral.
Denise explica que o vício não químico age no cérebro de forma bem semelhante do vício por substâncias. “Todas elas atuam, direta ou indiretamente, ativando o sistema de recompensa cerebral. Quando nos deparamos com um estímulo prazeroso, nosso cérebro lança um sinal: o aumento de dopamina, um importante neurotransmissor do sistema nervoso central (SNC). Esse sinal é reforçador e associa a emoção vivenciada com a sensação de prazer, fazendo com que a busca por vivenciar a sensação novamente se torne cada vez mais provável”.
Além disso, as sensações ativam outras áreas relacionadas à aprendizagem, memória e processamento do conteúdo emocional por estímulos ambientais. “Isso leva a repetição do ato e condicionamento do prazer”, completa. O tratamento, de acordo com Denise, é baseado em identificar possíveis comorbidades psíquicas, motivação para o reconhecimento dos prejuízos causados, apoio e suporte nas estratégias para lidar com a compulsão e recaídas. “E, se necessário, é instituído o tratamento medicamentoso juntamente com o psicológico”, afirma a médica.
Outros comportamentos viciantes
Sexo e atividade física em excessos e transtornos alimentares que causam anorexia e bulimia também são consideradas dependências comportamentais. Segundo Denise, o grupo acometido varia entre os diferentes tipos de vícios, mas pessoas normalmente têm em comum algum transtorno depressivo, sofrem de ansiedade, déficit de atenção ou hiperatividade. “Idosos e adolescentes também, de certa forma, apresentam mais riscos”, pontua.
“Na vigorexia, vício em atividade física, há uma doença psicológica caracterizada por uma insatisfação constante com o corpo. A pessoa deixa de frequentar círculos sociais e lugares que tenham alimentos e bebidas fora da sua dieta restrita, e a insatisfação e sofrimento psíquico vai aumentando cada vez mais, mesmo que todos ao seu redor e o espelho mostrem algo diferente. Faz parte dos grupos de transtorno dismórfico corporal, como a anorexia e bulimia”, detalha.
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