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66 milhões de brasileiros poderiam ser abastecidos com a quantidade de água perdida nos sistemas de distribuição

1 de junho de 202215220
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Novo estudo do Instituto Trata Brasil mostra que um volume equivalente a 7,8 mil piscinas olímpicas de água tratada é desperdiçado, enquanto quase 35 milhões não tem acesso ao recurso

Diante de um cenário mundial em que a importância da água potável é cada vez mais ressaltada como forma de prevenir a proliferação de doenças e garantir qualidade de vida, aproximadamente 35 milhões de brasileiros não tem acesso à água tratada nem sequer para lavar as mãos. Enquanto isso, 40,1% da água é perdida antes mesmo de chegar à casa das pessoas. Frente a esse contexto, o Instituto Trata Brasil, com parceria institucional da Asfamas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento) e da Water org, com elaboração da consultoria GO Associados, divulga seu mais novo estudo: “PERDAS DE ÁGUA POTÁVEL (2022, ano base 2020): DESAFIOS PARA DISPONIBILIDADE HÍDRICA E AVANÇO DA EFICIÊNCIA DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL”. O estudo foi feito a partir de dados públicos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS, ano base 2020) e contempla uma análise do Brasil, das 27 Unidades da Federação e as cinco regiões, bem como as 100 maiores cidades – os mesmos municípios do Ranking do Saneamento Básico.

O atraso histórico do Brasil, maior país da América Latina, com relação ao saneamento se torna ainda mais evidente diante de sua grande ineficiência na distribuição da água potável pelas cidades. O valor em porcentagem da água perdida nos sistemas de distribuição no Brasil representa um volume equivalente a 7,8 mil piscinas olímpicas de água tratada desperdiçada diariamente ou mais de sete vezes o volume do Sistema Cantareira — maior conjunto de reservatórios para abastecimento do Estado de São Paulo. Mesmo considerando apenas os 60% deste volume que são de perdas físicas (vazamentos), estamos falando de uma quantidade suficiente para abastecer mais de 66 milhões de brasileiros em um ano, equivalente a um pouco mais de 30% da população brasileira em 2020. Esse volume seria, portanto, mais que suficiente para levar água aos quase 35 milhões de brasileiros que até hoje não possuem acesso nem para lavar as mãos. Poderia também atender, por quase três anos, aos mais de 13 milhões de brasileiros que habitam favelas. Além de atender a este enorme contingente de brasileiros, no que se refere ao impacto ambiental, o volume de água que poderia ser economizado da natureza certamente ajudaria a manter mais cheios os rios e reservatórios espalhados pelo país.

O que o Brasil registra de perdas no indicador Perdas de Água nos Sistema de Distribuição é praticamente o que se perde em termos financeiros avaliados no Índice de Perdas de Faturamento Total. O estudo estima que uma redução dos atuais 40,9% nesse indicador financeiro para índices próximos a 25%, meta prevista pela Portaria Nº 490 do Ministério do Desenvolvimento Regional, permitiria a economia de um volume da ordem de 2,3 bilhões de m³. Significa que, mesmo se conseguirmos uma redução não tão ambiciosa nas perdas de água, já seria volume suficiente para atender a aproximadamente 40,4 milhões de brasileiros em um ano — número equivalente aos brasileiros historicamente sem acesso.

COMPARAÇÃO INTERNACIONAL

Para efeito de comparação com outros países, utilizamos como referência a International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities (IBNET) e, como indicador, o Índice de Perda de Faturamento Total (IPFT). Nesse caso, o Brasil registrou (em 2020) um IPFT de 40,9%, ou seja, índice pior que países como Camarões (39,5%), África do Sul (33,7%), Etiópia (29%), Reino Unido (20,5%), Polônia (17%), entre outros.

*Obs: Comparações entre países devem ser vistas com cuidado, pois nem sempre a periodicidade dos dados é compatível entre eles. Dados de outros países estão no relatório completo disponível no site do Trata Brasil.

BRASIL X AMÉRICA LATINA

Para fazer a comparação dos índices de perdas na América Latina, o estudo utilizou os dados da Asociación de Entes Reguladores de Agua Potable y Saneamiento de las Americas (ADERASA), e que possui dados desagregados de 97 operadores de saneamento distintos em 10 países latino-americanos.

QUADRO 1 – ÍNDICE DE PERDAS – PAÍSES LATINOAMERICANOS

* No caso brasileiro, adotou-se o IPFT – Índice de Perdas no Faturamento Total, calculado com dados do SNIS 2020 para todo o território nacional. Fonte: ADERASA 2021. Elaboração: GO Associados.

É possível observar que, mesmo quando comparado a países com níveis de desenvolvimento próximos, o Brasil apresenta resultados insatisfatórios, sendo o 6º entre os 10 países analisados, encontrando-se mais próximo do último colocado (Uruguai, com 51%) do que do primeiro (Bolívia, com 27%) em termos do índice de perdas.

DIFERENÇA ENTRE OS INDICADORES

Neste tipo de estudo é importante conhecer os vários indicadores usados para as perdas de água, dentre eles: Índice de Perdas na Distribuição; Índice de Perdas no Faturamento Total; Índice de Perdas no Faturamento; e Índice de Perdas por Ligação. Segue abaixo o que eles significam:

OBJETIVO VANTAGENS DESVANTAGENS
Índice de Perdas no Faturamento Avaliar, em termos percentuais o nível da água não faturada (sem o volume de serviço) Apresenta uma visão sobre o que a empresa está produzindo e não consegue faturar – As empresas definem o volume de serviço de maneira muito diferente, logo, a comparação desse índice para pode trazer distorções.

– As perdas são calculadas com base no volume faturado. A depender da metodologia utilizada (ex: faturamento pelo consumo estimado), pode não refletir o nível de eficiência da empresa

Índice de Perdas no Faturamento Total Avaliar, em termos percentuais, o nível da água não faturada do sistema de abastecimento -Fornece uma visão geral da situação das perdas do sistema levando em consideração o volume de serviços.

-Apresenta uma visão sobre o que a empresa está produzindo e não consegue faturar

– As perdas são calculadas com base no volume faturado. A depender da metodologia utilizada (ex: faturamento pelo consumo estimado), pode não refletir o nível de eficiência da empresa
Índice de Perdas na Distribuição Avaliar, em termos percentuais, o nível de perdas da água efetivamente consumida em um sistema de abastecimento de água potável Fornece uma aproximação útil para a análise do impacto das perdas na distribuição (físicas e aparentes), em relação ao volume produzido – As empresas definem o volume de serviço de maneira diferente, logo, a comparação desse índice pode trazer distorções

— A comparação pode ser prejudicada pelos baixos níveis de macromedição e micromedição de algumas empresas

Índice de Perdas por Ligação Avaliar o nível de perdas da água efetivamente consumida em termos unitários (l/dia/ligação). Reflete a variação do nível de perdas por ligação – As empresas definem o volume de serviços de maneira diferente, logo, a comparação desse índice pode trazer distorções

— Na medição de eficiência, a comparação entre as cidades não pode ser feita diretamente. Mantendo-se tudo constante, cidades com maior verticalização e maior consumo por habitante terão indicador maior do que cidades menos verticalizadas e com menor consumo por habitante.

Elaboração: GO Associados.

PIORA DAS PERDAS DE ÁGUA DESDE 2016

Tendo como referência o índice de Perdas na Distribuição, podemos observar que desde 2016 o país vem piorando, inclusive acelerando-se em anos mais recentes, evidenciando a necessidade de maiores esforços visando à diminuição das perdas. De 2016 a 2020 houve aumento de 2 p. p., muito significativo, uma vez que deveria ter baixado.

QUADRO 2 – Evolução do índice de Perdas na Distribuição – 2016 a 2020

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

INDICADORES POR REGIÃO

Os indicadores de perdas de água não diferem de outros indicadores de acesso ao saneamento quando olhamos regionalmente. A região Norte do país, detentora dos piores índices de saneamento, também é onde se registra o maior IPD, com 51,2%, isto é, a região perde mais da metade da água potável produzida. Não muito atrás, a região Nordeste também aponta indicador alto, com 46,3%.

QUADRO 3 – Perdas na Distribuição por região – 2020

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

Indicador de Perdas por Ligação: normalmente, esse indicador nos dá uma análise mais minuciosa da quantidade de litros de água perdida por ligação / dia, no entanto, ele não é necessariamente comparável entre regiões, uma vez que tende a aumentar quanto maior for o volume de água produzido ou quão maior for a taxa de ocupação das residências (número de habitantes por ligação). Por esta razão é importante olhar o conjunto de indicadores das regiões para melhor compreender a real situação das perdas.

EVOLUÇÃO DO INDICADOR DE PERDAS NA DISTRIBUIÇÃO

A região que mais apresentou piora no período 2016-2020 foi a Norte, com aumento de 3,90 p.p. Observa-se uma melhora na região Centro-Oeste, com redução de 0,81 p.p. no período avaliado.

QUADRO 4 – Índice de Perdas na Distribuição de 2016 a 2020 por regiões

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

INDICADORES DE PERDAS DE ÁGUA POR ESTADO

Considerando-se a análise de dois indicadores, Índice de Perdas na Distribuição e Índice de Perdas por Ligação, vemos que o estado de Goiás foi o que apresentou a menor perda e o Amapá, a maior. 15 Unidades da Federação apresentam indicadores de perdas piores que a média nacional, o que é muito ruim considerando que a média do Brasil já é preocupante.

Quadro 5: Perdas na Distribuição por Estado (2020)

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

GANHOS ECONÔMICOS COM A REDUÇÃO DAS PERDAS DE ÁGUA POTÁVEL

O estudo considera 3 cenários para calcular os possíveis ganhos econômicos que o Brasil teria se caminhar para um aumento da eficiência na distribuição da água potável. Cenários otimista, cenário base e cenário pessimista. Foram definidos três cenários para a média nacional do nível de perdas, com base no nível a ser alcançado em 2034: 15% (otimista), 25% (realista) e 35% (pessimista). É válido mencionar que mesmo a primeira dessas metas ainda se situa acima de índices já alcançados por países como Estados Unidos e Austrália. Portanto, entende-se que, embora bastante desafiador, é possível alcançar indicadores iguais ou inferiores a 15%. Exceto pelo cenário pessimista, tais objetivos são mais ambiciosos do que o estabelecido pelo Plano Nacional de Saneamento (PLANSAB) em 2013, que previa um índice de perdas de 31% em 2033. Já o cenário realista tido como base foi estabelecido pela Portaria Nº 490 de 2021 do MDR.

Tomando como referência o cenário base, existe um potencial de ganhos brutos com a redução de perdas de R$ 53,5 bilhões até 2034. Prevendo que metade deste valor precisaria ser reinvestido no próprio combate às perdas, o benefício líquido ainda assim seria da ordem de R$ 26,7 bilhões no período.

QUADRO 6 – SUMÁRIO DOS IMPACTOS DE REDUÇÃO DAS PERDAS

Cenários Perdas
2020
Perdas
2034
Redução Ganho
Bruto
Total
Ganho
Líquido
Total
Cenário Otimista 41% 15% 63% 87.294.828 43.647.414
Cenário Realista 41% 25% 39% 53.580.183 26.790.091
Cenário Pessimista 41% 35% 14% 19.865.538 9.932.769

Fonte: SNIS 2020. Elaboração: GO Associados.

Em relação ao cenário de referência, quando se considera o custo de capital do investimento ao longo do tempo, os ganhos bruto e líquido trazidos a valor presente são, respectivamente, de R$ 25,6 bilhões e R$ 12,8 bilhões no Cenário Realista.

CONCLUSÃO

As perdas de água no Brasil não apresentaram melhora nos últimos anos, o Trata Brasil já acompanha a situação de perdas há alguns anos e fica evidente que não foram implantadas soluções eficientes para resolver a questão. O problema impacta o desafio de universalizar o abastecimento de água, meta estabelecida com o novo Marco Legal do Saneamento, que visa garantir que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e coleta de esgoto, pois, como consequência, os investimentos tornam-se muito maiores para construir novas estações de tratamento de água e adutoras, por exemplo, que não precisariam estar sendo construídas, caso houvesse redução das perdas ao longo do processo” — Luana Siewert Pretto, Presidente Executiva do Instituto Trata Brasil.

A eficiência do sistema de distribuição de água é essencial, principalmente para se alcançarem as metas do Novo Marco Legal do Saneamento. Além disso, as incertezas com relação aos ciclos de chuvas e aumento das temperaturas tornam o problema ainda mais patente”. – Gesner Oliveira, sócio da GO Associados.

O novo Marco Legal do Saneamento e as metas estabelecidas para cumprimento da universalização do acesso a água tratada e esgotamento sanitário, representam desafios muito bem-vindos, uma vez que são direcionados a garantir qualidade de vida a todos, sem privilégios. A contenção de perdas de água é fundamental para viabilização de todo o processo, e representa um avanço significativo na prevenção de desperdícios e custos inaceitáveis, tanto econômicos, quanto ambientais e sociais. Em tempos de indústria 4.0, cada vez mais intensa no país, análises de cenários, riscos e materialidade, rastreabilidade e medidas preventivas se mostram particularmente ferramentas essenciais na gestão de perdas. Complementarmente à esforços de combate a furtos de água, projetos com especificações técnicas bem estabelecidas, que priorizem garantia de materiais de qualidade e conformidade nas entregas, assim como serviços de manutenções programadas na infraestrutura, têm especial impacto nos resultados da meta de redução de perdas de água, garantindo menos vazamentos, com acessibilidade e escalabilidade. A ASFAMAS teve o prazer de apoiar o Estudo do Instituto Trata Brasil justamente por entender que qualidade e sustentabilidade têm que fazer parte da cadeia de valor do saneamento, em um movimento integrado rumo a universalização!”. — Luciana Oriqui, Diretora de Relações Institucionais e Governamentais da ASFAMAS – Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais para Saneamento.

“Com o agravamento da crise climática, a universalização do acesso a água, que já era um desafio, tende a se tornar ainda mais problemática em todas as partes do planeta e isso não é diferente no Brasil, que ainda carrega a imagem equivocada de país com “abundância infinita” desse recurso precioso. Não é mais aceitável continuarmos a verificar índices dessa ordem apresentados aqui. Além de atuar apoiando a geração e disseminação de conteúdos como é o caso deste estudo, a Water org também busca colaboração direta com as concessionárias de Água e Esgoto que enfrentam desafios relacionados ao financiamento de seus investimentos. Fazemos isso desenvolvendo oportunidades e modelos inovadores para atração desses recursos para dentro do setor. Essas ações tendem a expandir os canais de financiamento, melhorando os serviços e criando resiliência climática e segurança hídrica”. – Bruno Rondinella, Gerente Sr de Projetos da Water org.

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Alexandre Bueno

Jornalista/Editor Geral


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